A Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) exortou hoje as forças políticas concorrentes às eleições gerais de 23 de Agosto a “aceitarem com serenidade” o resultado eleitoral, mas utilizando “instrumentos legais para dissipar possíveis equívocos”.
A posição dos bispos católicos angolanos vem expressa na “Nota Pastoral sobre as Eleições de 2017”, apresentada hoje em conferência de imprensa, em Luanda, na qual se assinala que cabe aos políticos das forças concorrentes “dar corpo e sentido ao convívio de vontades expressas nas urnas”.
“Aceitando com serenidade e responsabilidade o veredicto final, postando no diálogo sincero, fecundo e construtivo, e buscando acima de tudo o bem da nação, assente na Justiça, na paz e na verdade”, lê-se nota apresentada pelo vice-presidente da CEAST, José Manuel Imbamba.
Os resultados provisórios apresentados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) apontam a vitória do MPLA, com 61% dos votos nas eleições do passado dia 23 de Agosto, garantindo maioria qualificada no Parlamento e a eleição de João Lourenço como novo Presidente angolano, mas os resultados não são reconhecidos pela oposição, que alega e demonstra ter havido irregularidades no escrutínio.
Na nota emitida hoje, os bispos católicos enaltecem o povo angolano pela “alegria, nobreza, civismo e dignidade” manifestada durante as eleições, mostrando que são “um povo que pugna pelo convívio social multicultural, fomentador da unidade na diversidade”.
De acordo com a CEAST, cabe à CNE “o peso da responsabilidade de gerir e publicar com máxima transparência e nos termos da lei tudo o que os eleitores exprimiram”.
Até porque o “olhar de todos os angolanos e dos amigos de Angola” está virado para a CNE.
“É preciso que tudo se faça, sem margens para dúvidas, munindo-se unicamente com as armas da verdade, Justiça, transparência e do diálogo inclusivo entre as partes. O povo fez a sua parte, e fê-la muito bem. O mesmo auguramos para a Comissão Nacional Eleitoral”, disse José Manuel Imbamba, que é também o bispo de Saurimo, na província da Lunda Sul.
Numa altura em que se aguarda pela divulgação dos resultados definitivos, os prelados católicos de Angola reiteraram os “apelos” aos futuros governantes eleitos para “trabalharem pelo bem de todos os angolanos colocando o acento tónico na cidadania e patriotismo e não na militância partidária”.
“E que a oposição seja forte e obrigue quem governa a dar o melhor de si em prol do bem de todos. Deste modo, tanto quem receber o mandato de governar como quem está na oposição desempenha uma função nobre e necessária ao bem do país, devendo servi-lo através de uma atitude de diálogo construtivo”, refere ainda a nota.
Para o porta-voz da CEAST, o próximo Governo “deve reconhecer as doenças que o país tem, com consciência e ética dos governantes, no sentido de servirem com missão e banir os males sociais”.
Que a voz do Povo seja a voz de Deus
“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país. Pena é que a Igreja Católica, por exemplo, tenha medo da verdade.
Alguém se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?
O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.
“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.
”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.
Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (onze anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.
Igreja irá dar voz a quem a não tem?
Em 2011 o MPLA celebrou um acordo com a Igreja Católica para que esta o apoiasse na campanha eleitoral de 2012. Pelo andar da missa tudo leva a crer que, em 2017, esse acordo continuou válido.
Terá Igreja Católica tentado agradar ao “seu” deus (José Eduardo dos Santos/MPLA) e ao nosso “diabo” (João Lourenço/MPLA)?
Da parte do partido no poder agenciou o acordo de 2011 Manuel Vicente, na então condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e a Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientações do militante cardeal Alexandre do Nascimento.
Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continuará a querer agradar ao Poder, aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não é novidade.
Recorde-se também que no final de 2011, D. José Manuel Imbamba disse que os padres que teimavam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplinares, nomeadamente por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias.
D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. Foi grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem.
Aliás, o mesmo se passou com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se ia lembrando do “rebanho” que tinha a seu cargo como bispo de Cabinda.
Quando instado a comentar as detenções no estrangeiro de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extraterrestre, como a de Agostinho Chicaia, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder em Angola e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.
Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias se mostrou preocupado com aquilo que chamou de incapacidade de diálogo entre as pessoas. Pois é. Todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA são culpados até prova em contrário.
Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.
“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.
É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como faz o regime angolano.
“Quando celebramos esse dia, devemos olhar para o seguinte: que é uma grande responsabilidade informar e informar sempre com verdade,” destacou D. Filomeno Vieira Dias, certamente pedindo de imediato perdão a Deus por ele próprio não contar a verdade toda.
E se uma das principais tarefas dos Jornalistas é dar voz a quem a não tem, também a Igreja Católica tem a mesma missão devendo, aliás, ser ela a dar o exemplo. O que não acontece.
Frei João Domingos, por exemplo, afirmou numa homilia em Setembro de 2009, em Angola, que Jesus viveu ao lado do seu povo, encarnando todo o seu sofrimento e dor. E acrescentou que os nossos políticos e governantes só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.
“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
Legenda: Dom Manuel Imbamba e João Lourenço.